Apesar de um período de boas mudanças após o apartheid, a África do Sul luta contra muitos de problemas: violência, AIDS e ruptura familiar, verifica o bispo auxiliar de Durban, às vésperas da copa do mundo de futebol.
Dom Barry Wood nasceu e cresceu na África do Sul, no seio de uma família que viveu naquela parte do mundo por mais de 200 anos.
Conhecida por sua diversidade, a África do Sul tem as maiores comunidades de caucasianos, índios e mestiços no continente africano. Também tem, em sua constituição, 11 idiomas oficialmente reconhecidos.
Nesta entrevista, ele fala das mudanças “milagrosas” em seu país e dos problemas mais urgentes enfrentados pelo povo e pela Igreja.
–Por este tempo o senhor deve ter visto mudanças. O senhor diria que o país mudou para melhor ou para pior?
–Dom Wood: Bem, tendo crescido e vivido tanto tempo sob o regime do apartheid, foi uma grande libertação experimentar em 1994 nossa nova democracia.
A Igreja, como você sabe, foi muito ativa em tentar trazer a nova democracia devido à injustiça do sistema do apartheid. E naquele tempo nós sofremos muito.
A maioria de nossa gente sofreu muito, mas todos nós sofremos de certo modo ou outro ao tentar acabar com aquele regime que era mau. E a nova África do Sul é uma libertação para todos nós, porque a maioria de nossa gente tem direitos humanos agora. A maioria de nossa gente tem está aprendendo o que significa a auto-estima que lhe foi arrebatada no regime anterior e, de um modo lento, mas seguro, está crescendo espiritualmente e materialmente.
–Que mudanças negativas experimentou este tempo posterior ao apartheid?
–Dom Wood: A mudança negativa foi a ruptura da vida familiar. Há uma enorme ruptura da vida familiar.
Como você mencionou ao começo: os crimes e a violência, as violações, os abusos contra mulheres, mas principalmente o problema da injustiça econômica.
–Gostaria de me ater à questão ruptura da família. Pode nos dizer de onde vem? Por que entrou tão de repente na vida dos sul-africanos?
–Dom Wood: Não acredito que seja algo novo. Durante o tempo do apartheid, os homens separaram as mulheres. As mulheres permaneceram nas áreas rurais e os homens iam para as cidades e, deste modo, as mulheres e as famílias não puderam ficar com os homens nas cidades e o que aconteceu é que esta forma de vida se tornou parte do sistema da África do Sul.
E, infelizmente, isto se perpetuou depois de 1994, o governo está dando ajuda financeira às meninas jovens que estão grávidas e, deste modo, muitos estão grávidas para adquirir as ajudas e isto está causando estragos entre os jovens.
–Por que o governo começou a dar ajuda? Qual é o propósito desta ajuda?
–Dom Wood: A finalidade era ajudar estas jovens que ficaram grávidas a criar suas famílias, mas, infelizmente, como na maioria das coisas, pessoas tiraram vantagem disto e querem o dinheiro.
–E veem isto como uma fonte de renda?
–Dom Wood: Veem isto como uma fonte de renda. E assim as meninas ficam grávidas. Têm filhos. Enviam os bebês às avós e seguem trabalhando ou tendo os bebês. E isto realmente se transformou em um problema.
–A transição do apartheid na África do Sul foi verdadeiramente um milagre. Eu acredito que não foi bastante estimada. Falamos do Muro de Berlim – uma mudança sem violência – mas a mudança na África do Sul também foi um milagre.
–Dom Wood: Foi um milagre e nós não esperávamos por isto. Esperávamos pelo pior, ano após ano; depois de cada celebração da Eucaristia, rezávamos pela paz na África do Sul: rezávamos a oração de São Francisco e creio de verdade que a oração do povo influenciou nas negociações que aconteceram entre Nelson Mandela e F. W. de Klerk.
Eu realmente acredito que a fé de pessoas trouxe este milagre.
–E o milagre ainda continua, a menos que eu me confunda, não se percebe o desejo de vingança por parte das pessoas de cor para os brancos. Não é assim?
–Dom Wood: Absolutamente. Há aceitação e perdão. Em algumas áreas há raiva e as pessoas querem vingança, mas diria que a grande maioria aceitou e seguimos em frente.
--Pode-se dizer que, neste período posterior ao apartheid, o país ainda está procurando sua identidade. Que identidade tem a África do Sul? Que identidade nacional o senhor poderia dizer que possui o país?
–Dom Wood: Ainda temos uma democracia muito jovem. Ela só tem 16 anos e, como algo que tem 16 anos, está procurando nossa identidade.
–Um adolescente, por assim dizer.
–Dom Wood: Um adolescente, uma democracia adolescente e estamos buscando nossa identidade.
Cometemos muitos erros, como os adolescentes fazem quando estão amadurecendo, e acredito que isto é o que nos está acontecendo. Cometemos erros, mas nos levantamos e continuamos em frente e tentamos aprender com nossos erros. Mas nós somos uma democracia adolescente e queremos alcançá-la. Acredito que há uma verdadeira vontade por parte das pessoas, de alcançá-la.
–Porém, também está a sensação de que a Igreja Católica, especialmente na África do Sul, está relacionada com o período colonial, e que há um movimento novo, por assim dizer, que rejeita tudo aquilo que pertence àquele período colonial, inclusive a Igreja, e está a favor de instituições, organizações que sejam africanas em origem e em orientação. Como a Igreja Católica encontra seu lugar perante este movimento?
–Dom Wood: Em primeiro lugar, eu ouvi este rumor de que há um movimento que quer eliminar qualquer coisa que venha do tempo colonial, mas a Igreja Católica na África do Sul é acostumada à perseguição, desde o exato momento em que chegamos à África do Sul, não fomos bem recebidos, principalmente pelos holandeses, então pelos britânicos, depois pelo regime africâner, que fez tudo o que pôde para nos rejeitar, e nos chamava: “O Perigo Romano”.
Por isso somos acostumados à perseguição; somos acostumados a ser golpeados pelo regime e, conseqüentemente, para este último problema que surge, sentimos que nossa fé e nossa gente são suficientemente fortes ao ponto de resistir a qualquer tipo de ataque deste tipo.
–Assim a fé vem de pessoas. As raízes estão, por isso, bastante profundas, o senhor pode assegurar que as raízes da fé estão bastante profundas na população, nas comunidades, para suportar este nível de desafio?
–Dom Wood: Eu acredito que sim; Eu sei que sim.
–A África do Sul tem um dos índices maiores em AIDS do mundo. Pode nos falar algo em sua perspectiva?
–Dom Wood: É um dos maiores e é uma pandemia em nosso país. Milhões de pessoas estão vivendo com AIDS ou estão afetados por esta doença. E se transformou em um verdadeiro problema para nossas pessoas.
–Como o senhor vê concretamente, quer dizer, nos órfãos da AIDS?
–Dom Wood: Uma vez mais nós falamos da ruptura da vida familiar. Algumas famílias não têm mães e pais. Há crianças que tomam conta das casas, órfãos da AIDS e crianças vulneráveis. E não se trata de exceções; está estendido pelo país inteiro. E o cuidado básico e a atenção para estes órfãos da AIDS são um grande desafio.
–A África do Sul respondeu a isto com a política do preservativo. Durante os últimos 20 anos se tem apresentado os preservativos como a solução e, ainda assim, a AIDS está nada menos que em 22% da população. Pode-se dizer que a política do preservativo falhou?
–Dom Wood: Definitivamente, a pandemia está crescendo.
Distribuíram a nossa gente milhões de preservativos e ainda assim, todavia, vivemos com a AIDS, e está crescendo. Não importa que o ministro da saúde diga que o número baixou, porque as pessoas nas ruas dizem “Não, está aumentando”, e nossos sacerdotes que estão enterrando ao povo, fim de semana após fim de semana, dizem que a coisa está piorando.
–De acordo com o senhor, qual o fracasso da política do preservativo?
–Dom Wood: A educação. Às pessoas apenas são distribuídos preservativos e dizendo-se que há um problema, usem os preservativos e o problema desaparecerá.
Não desapareceu.
–E não se tem promovido a abstinência como uma possível alternativa?
–Dom Wood: Bem, a Igreja tem feito isto durante anos, contudo de um modo lento, mas seguro. Quando se vê os anúncios do governo, a abstinência está na cabeça da lista.
Está chegando e eles promovem a abstinência. Promovem ao mesmo tempo abstinência, fidelidade e preservativos, mas diria que na parte de cima da lista está a abstinência e eu acredito que estão começando a perceber que é a única estrada.
–Há aproximadamente 3,3 milhões de católicos na África do Sul, pelo que, de fato, o tamanho da Igreja Católica da África do Sul é muito pequena e, ainda assim, seu impacto é até significante. Que impacto tem a Igreja Católica? Que programas tem realizado? E como é possível que a Igreja Católica, nesta porcentagem tão pequena da população, tenha tal um impacto grande?
–Dom Wood: Ao longo dos anos, a Igreja da África do Sul teve um verdadeiro impacto nas pessoas pela educação e pela saúde.
Desde o começo da Igreja, o governo, por aquele tempo, nunca ministrou saúde ou educação, e agora com a pandemia estamos no segundo lugar, depois do governo, chegando até as pessoas. Não tenho a percentagem. Mas é reconhecido e as pessoas o afirmam: a Igreja chega até eles.
E está em todas as esferas: nos cuidados do lar, nos cuidados às crianças vulneráveis e órfãos, nos hospícios para os moribundos, no cuidado com as mulheres abusadas sexualmente e das grávidas com problemas. O aspecto todo e o desenvolvimento de tratamentos antiretrovirais.
–Qual a maior necessidade da África do Sul hoje para o senhor?
–Dom Wood: A maior necessidade da África do Sul é o trabalho, o emprego, porque creio que todos estes problemas como o crime e os abusos de mulheres e crianças e todo o demais, estão sendo causados porque as pessoas estão frustradas e furiosas; e não têm emprego. E isto, creio eu, ajudaria à situação, se pudéssemos encontrar emprego para a maioria das pessoas de nosso país. E também qualificação profissional, estas duas coisas reunidas.
–E da perspectiva da Igreja: qual seria a maior necessidade da Igreja na África do Sul?
–Dom Wood: A maior necessidade da Igreja, acredito, e o maior desafio que temos, é tentar confrontar o problema da ruptura da vida familiar e pôr todos nossos recursos na tentativa de reconstrução do sentido da vida familiar novamente.
–Como se pode alcançar isso?
–Dom Wood: Não estou completamente seguro. Se tivesse a solução, estaria contente, mas acredito que nós temos que começar com as pequenas comunidades cristãs onde nós somos fortes.
Temos pequenas comunidades cristãs e precisamos evangelizá-las no sentido de prover um lar, uma vez mais, a importância da vida familiar.
É algo mesmo da cultura africana, mas todo esse individualismo ocidental entrou de um modo silencioso e destruiu. Acredito que agora nós precisamos acentuar novamente a beleza do marido e do pai e das crianças – e a beleza da vida familiar.
Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para “Deus Chora na Terra”, um programa rádio televisivo semanal produzido pela Catholic Radio and Television Network, (CRTN) em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre. Mais informação em www.ain-es.org e www.aischile.cl.
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