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Representação pictórica da Inveja feita pelo pintor e arquiteto italiano Giotto |
Diversos estudos já concluíram que a inveja é o “vício” mais conhecido da humanidade. Outros tantos, que é um dos mais influentes causadores da infelicidade do homem contemporâneo. Mas, afinal, de onde vem a inveja? Quando começou a se falar dela? Nesse artigo, nosso articulista aborda as origens e o panorama histórico desse mal, tão antigo, mas também tão atual e cada vez mais presente e ameaçador.
Inerente à sua natureza é a procura do homem pela felicidade, remédio para a atroz contingência que sente em si mesmo a cada momento. E nessa interminável busca, almeja uma situação edênica em que não sinta mais “as duas leis” em si, como se queixava o Apóstolo (cf. Rm 7, 23).
Com efeito, sente o homem o desregramento das paixões que o acompanham noite e dia, levando-o a viver numa constante batalha a fim de vencer as suas más inclinações. Com efeito, dentre os vários vícios contra os quais as mais nobres almas têm de lutar, um lhe é particularmente humilhante por sua malícia: a inveja. Este sentimento tão antigo e tão comum é um dos mais difíceis de ser eliminados, e que mais tem causado sofrimento à humanidade.
Nenhum juiz é tão rigoroso contra si mesmo como a inveja, pois continuamente aflige e castiga ao seu próprio autor. De acordo com Granada (1856, p. 126), “a inveja tortura quem a tem, abrasa o coração, seca as carnes, fadiga o entendimento, rouba a paz de consciência, faz tristes os dias da vida e afasta da alma o contentamento e a alegria”.
Às vezes se apresenta de forma sutil, sem nos darmos conta. Em outras ocasiões, deixa transparecer toda a sua virulência, destruindo na alma todo e qualquer bom sentimento. Entretanto, Verdiani (2006, p. 11) nos adverte que a inveja nem sempre é perceptível:
Seu caráter dissimulado, secreto e paciente dificulta sua percepção pela maioria das pessoas, pois a inveja pode assumir condutas distintas, como: indiferença, ironia, maledicência, calúnia, infâmia, indignação, capricho, deboche, ódio [...], desespero, e tantos outros artifícios…
Os autores clássicos são concordes em afirmar que os invejosos estão condenados a odiar de forma inextinguível, pois o ódio provocado pela ira se apazigua facilmente mediante a reparação, mas o ódio nascido da inveja não se amansa nem admite um pedido de desculpas. Mais ainda, irrita-se com os benefícios recebidos. Todavia, podemos nos perguntar em que âmbitos a inveja se desenvolve e qual seu principal intento:
… a inveja é um dos pecados mais estendidos [...]. Impera em todo o mundo e mora especialmente nas cortes e palácios, nas casas dos senhores e príncipes, nas universidades e cabidos e ainda, nos conventos de religiosos [...] seu objetivo e meta é perseguir aos bons e aos que por suas virtudes são altamente apreciados (GRANADA, 1848, p. 132).
A inveja fez e continua fazendo verdadeiros estragos entre os homens. Pode ser comparada a um câncer silencioso ou a uma úlcera afetiva que corrói o convívio e tira a paz. Seu intuito não é somente possuir o que é do outro, pois, de acordo com Alberoni (1996, p. 55) “a inveja visa tanto o ter quanto o ser, os objetos como a qualidade, os bens como os reconhecimentos.”
Convém ressaltar que o estudo sobre a natureza da inveja tem uma larga tradição no âmbito da cultura católica e comporta diversas manifestações. Vários filósofos e teólogos fizeram pormenorizadas descrições fenomenológicas sobre essa temática. Também são numerosas as referências sobre o vício da inveja ao longo da literatura universal, desde o mundo grego até hoje.
A partir das leituras da Retórica de Aristóteles, Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo, podemos encontrar esse comportamento presente em muitas de suas narrativas. O filósofo grego Antístenes (444-371 a.C.) já dizia que “a inveja consome o invejoso como a ferrugem ao ferro”. Ovídio (2007, p. 39), em sua obra Metamorfosis, nos apresenta a inveja como uma divindade terrível e venenosa, desprezada e odiada pelos mesmos deuses. As descrições feitas de seu aspecto e de seu âmbito são muito eloquentes:
A inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o Sol. Nenhum vento o atravessa; ali reinam a tristeza e o frio, jamais se acende o fogo, há sempre trevas espessas [...]. A palidez cobre seu rosto, seu corpo é descarnado, o olhar não se fixa em parte alguma. Têm os dentes manchados de tártaro, o ventre esverdeado pela bile, a língua úmida de veneno. Ela ignora o sorriso, salvo aquele que é excitado pela visão da dor [...]. Assiste com despeito o sucesso dos homens e esse espetáculo a corrói; ao dilacerar os outros, ela se dilacera a si mesmo, e este é seu suplício.
Contudo, pode-se afirmar que não é tarefa anacrônica estudar a fenomenologia da inveja. Uma recente pesquisa feita pela Agência Toledo & Associados nos fornece subsídios que atestam a atualidade desse tema. Na pesquisa, constatou-se que, dentre os sete pecados capitais, a inveja é a mais conhecida dos brasileiros. Enquanto 45% dos 407 entrevistados não se lembravam dos pecados capitais, todos conheciam a inveja e suas principais consequências.
Sua esfera de estudo tampouco corresponde somente aos moralistas, pois diversos psicólogos, filósofos e sociólogos têm fornecido valiosas contribuições para a análise da alma invejosa. Convém recordar que, na atualidade, a inveja tem sido objeto de constantes debates e palestras, especialmente nos meios empresariais, onde se examina seu caráter nocivo para o bom desenvolvimento profissional.
De acordo com o estudo do psicanalista austro-brasileiro Norberto Keppe, diversas enfermidades têm sua origem na inveja. Outro recente trabalho científico realizado pelo psicólogo Antônio Soares (2007, p. 2) constatou que a inveja é uma das mais influentes causadoras da infelicidade do homem contemporâneo. Soares (2007, p. 02) definia inveja como “a incapacidade de ver a luz das outras pessoas, a alegria, o brilho, a luminosidade de alguém, seja em que aspecto for”.
Inácio Almeida
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