quinta-feira, 23 de setembro de 2010

”O catolicismo é a religião mais atacada, muito mais do que o Islã”, constata Bernard-Henri Lévy.

ABC- Espanha

Mapa de 2010 dos países que mais perseguem o Cristianismo no mundo

Mapa de 2010 dos países que mais perseguem o Cristianismo no mundo

Nascido em 1948, em Béni-Saf, na Argélia, perto de Orán,Bernard-Henri Lévy (foto), pertencente aos chamados“nouveaux philosophes”, agitador de ideias e defensor veemente da dignidade do ser humano, se envolveu em múltiplas batalhas, desde as guerras esquecidas (que deram título a uma de suas grandes obras), a combater o racismo ou a apoiar os democratas dissidentes em ditaduras como a iraniana.

Seu pai combateu na Guerra Civil espanhola antes de se alistar nas Forças de Libertação do pais vizinho. Lévy, conhecido na França por suas siglas BHL, sempre está no centro da polêmica, em parte devido à onipresença nos meios de comunicação franceses.

Judeu, ateu e esquerdista confesso, sua presença na Espanha se deve à sua dupla participação no Hay Festival em Segovia, onde, além de dar uma conferência, acompanha com seus textos a mostra do pintor Rafael Cidoncha, “um dos artistas contemporâneos que eu mais estimo e que não tem o espaço nem o reconhecimento que merece”, segundo BHL.

Eis a entrevista.

Há não muito tempo, o senhor promoveu e assinou o manifesto “Touche pas à ma nation” (Não toques em minha nação) contra Sarkozy. Por quê?

Tomei essa iniciativa porque amo meu país, a França, onde há um modelo de país original, cuja originalidade é a rejeição total de pensar a cidadania com relaçaõ às origens: um “ius solis” absoluto, a abertura ao outro, a acolhida aos estrangeiros… Acredito que Sarkozy está colocando em perigo esse modelo de integração. Não sou nacionalista, não gosto da nação como tal. Mas somos obrigados a ter nações, e o modelo francês é um bom modelo. O espanhol também. Essa história a propósito dos ciganos romenos, ou da perda de nacionalidade, são golpes duríssimos contra o nosso modelo nacional. Assim, pois, a mensagem que eu lanço a Sarkozy é “não toques em minha nação”, porque ele a está destruindo.

Nesse sentido, o senhor compartilha as críticas da Comunidade Europeia contra Sarkozy.

Sem dúvida. Há uma frase infeliz que incitava a pensar em semelhanças com o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, de Viviane Reding. Mas, no fundo, o chamado à ordem está totalmente justificado.

O senhor é amigo de Sarkozy, assim como era de François Mitterrand. Em que a França mudou entre ambas as presidências?

É difícil de dizer. A ideia que Mitterrand tinha da função presidencial era oposta à que Sarkozy tem. Um de seus erros, e é um erro profundo porque acredito que também é a sua convicção, é trivializar a função presidencial, descer o presidente do seu pedestal… a ideia de que o presidente tem que ser um “personagem familiar”. A Espanha tem um modelo político interessante com um Rei que não governa, mas que tem uma função simbólica importante. Essa função simbólica ou é encarnada por um só homem, como é o caso espanhol, ou então, como diz Ernst Kantorowicz em “Os dois corpos do Rei”, o rei e o governo existem em uma mesma pessoa. É algo que Mitterrand compreendia muito bem. E também De Gaulle.

O Papa Bento XVI fez ouvir a sua voz sobre a expulsão dos ciganos e foi criticado por isso.

A voz do Papa é extremadamente importante. E somos muito injustos com esse Papa. Eu não sou católico, mas acredito que há preconceitos. Principalmente um anticatolicismo primário que está tomando proporções enormes na Europa. Na França, fala-se muito das violações dos cemitérios judeus e muçulmanos, mas ninguém sabe que os túmulos dos católicos também são profanados habitualmente. Há uma espécie de anticlericalismo na França que não é sadio absolutamente. Temos o direito de criticar as religiões, mas a religião mais atacada hoje em dia é a religião católica.

Mais do que o Islã?

Muito mais. Os muçulmanos, no campo intelectual, se defendem. Os católicos, muito menos.

Na Espanha, houve uma importante controvérsia com relação a uma discoteca denominada “La Meca”, cuja estética simula a de uma mesquita. Os proprietários vão mudar o nome por causa da reação dos jihadistas, que convocaram à luta. Como o senhor avalia essa decisão?

É uma derrota. É fácil falar sendo francês e não sendo o proprietário da discoteca, admito-o, mas não é uma vitória da coragem nem do espírito de resistência. É um triunfo do fanatismo e da estupidez.

O senhor é a favor da construção da mesquita junto ao Marco Zero em Manhattan?

Totalmente. Por duas razões: a primeira, porque os Estados Unidos são isso. O fundamento da América do Norte, a razão pela qual foi inventada é a liberdade de culto e de construir templos. A segunda é que, contrariamente ao que pensam muitos norte-americanos, esse centro cultural e religioso está a duas quadras da Zona Zero. Construí-la é uma do jihadismo e não uma vitória.

O que o senhor opina sobre a ameaça que alguns fanáticos fizeram de queimar exemplares do Alcorão?

É algo monstruoso. Só os fascistas queimam livros. Jamais se deve queimar um livro, seja qual for. Menos ainda quando se trata de um livro com uma transcendência, como a doAlcorão ou a do Antigo e do Novo Testamento. Quando os muçulmanos queimaram em Londres o livro de Salman Rushdie, eu fui um dos primeiros a protestar. Quando alguns cristãos queimam o Alcorão, eu faço exatamente a mesma coisa.

A burka acaba de ser proibida na França. É uma lei que se refere a menos de 2 mil pessoas (dos 64 milhões de habitantes) que será difícil de ser aplicada. O senhor acredita que era indispensável e proporcional?

É justa. A lei nunca é fácil de ser aplicada. Sempre é difícil prender um motorista por excesso de velocidade, ou um ladrão. A burka contradiz um princípio republicano fundamental, que é a da igualdade dos sexos, assim como o princípio do reconhecimento do outro. Não existe democracia se vê não pode ver o rosto do outro. Há muitas coisas que são proibidas embora afetem a menos de 2 mil pessoas, e estão aí. Uma lei é proporcional à qualidade do delito, não à quantidade de delinquentes. A burka é contrária ao espírito da democracia.

O senhor começou uma campanha para salvar a iraquiana Sakineh, condenada ao apedrejamento por adultério. Está verdadeiramente ao nosso alcance salvá-la?

Perfeitamente ao nosso alcance. Ao contrário do que repetem constantemente, não é verdade que as opiniões não podem fazer com que as ditaduras recuem. Os iraquianos nos ouvem? Claro que nos ouvem! Aconteceu com o incêndio do Reichstag, Hitler recuou. Stalin recuou graças à campanha de Víctor Serge. As ditaduras retificam quando há resistência. Por uma razão muito simples: são regimes de guerra. Quem diz guerra diz estratégia, diz relação de forças, adaptação.

No Afeganistão, existe guerra ou não? A opinião pública está dividida sobre essa questão.

Existe uma guerra. Há tropas, há enfrentamentos militares… É principalmente uma guerra entre as duas concepções do Islã. O conceito de “choque de civilizações” é espantoso, mas no interior do Islã ele pode ser aplicado à guerra entre o islã das luzes e o islã da sombra.

Devem-se manter as tropas?

Sem dúvida.

Habitualmente, o senhor é definido como um provocador. Está de acordo com esse qualificativo?

Não, absolutamente. Não tenho nenhum interesse em ser provocador. Eu sou alguém que tenta dizer a verdade e fazer avançar a justiça e o direito. Às vezes, a verdade é tão inaudível que só pode ser dita por meio da provocação. Mas nunca tive o sentimento de provocar.

E como se definiria?

Evito me definir. “Définir, c’est finir” (Definir é acabar).

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